segunda-feira, 12 de junho de 2017
segunda-feira, 3 de abril de 2017
Amor à primeira lida
Contava sete anos quando me deparei com ela. Empatia recíproca,
entre tantos garotos que lhe fizeram a corte, tinha eu grande chance de ser seu
escolhido.
Era a escola o
principal cenário de nossos encontros. Diariamente eram-me reveladas algumas
particularidades de sua personalidade, seus meandros e possibilidades. Eram
inúmeros.
Bibliotecas,
bancas de revistas, Chico Buarque, Oswaldo Montenegro, Domingos de Oliveria,
Glauber Rocha, Aldoux Huxley, George Orwel, Karl Marx e muitos outros que
conheci através de seu intermédio fizeram-me ficar mais apaixonado por ela.
Como saber se era
correspondido? Como saber se estava à altura de suas expectativas?
Como não tinha
certeza se teria sucesso ao me declarar para ela, resolvi investir em meu
intelecto e conhecimento de mundo. Acreditava que se tivesse leitura e viagem
suficiente, conseguiria conquistar seu amor e devotamento.
Passava o tempo,
livros e autores. Cada nova obra que conhecia era um motivo para aumentar minha
estima por ela e a incerteza do seu sentimento por mim. Ela era gentil, dócil,
amiga, meiga e envolvente. E amor? Ainda não havia resposta.
Muitas vezes
pensara em declarar-lhe minhas intenções e acabar com essa dúvida.
Em meus devaneios
apaixonados, ela tomava a iniciativa e confessava-me que sempre me amou , que o
fato de eu lhe admirar já era prova suficiente de amor e de uma união que seria
para sempre feliz. Ah, imaginava com tanta concretude que por um átimo essa
cena me parecia realíssima.
Quando atingi a
maioridade de meus sentimentos e impulso, entendi que chegara a hora de ser
franco, sincero, sem temer a possível rejeição. Ela sabia de meu caráter, minha
boa índole e não iria se ofender se lhe expusesse meus recônditos sentimentos.
Com voz melíflua,
em um fim de tarde com o rosto contra a luz segredei-lhe anos de paixão,
devotamento e ardoroso amor apaixonado.
Contei-lhe os
inúmeros livros que lera, discos que ouvira, peças teatrais que assistira,
debates culturais que participara no afã de estar à sua altura, cultural e
sentimentalmente ,e assim, confessar todas as sentimentalidades de enamorado,
que fora cativado por ela, enfim, contei-lhe que a amava.
Ela, como
resposta, dissera que o amor sempre esteve entre nós. O amor sempre estará
entre cada vírgula e reticências de nossas efêmeras vidas. Assim tornei-me
amante da palavra.
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segunda-feira, 6 de março de 2017
Signos em evaporação
Oh poesia,
Onde andas,
O que és?
Quanto mais me aproximo,
Mais tu te afastas.
Foges do ninho de quem te ama.
Andas pelas cabeças de transeuntes,
Iletrados, loucos e gênios.
Os junks ceiam em tua mesa,
Tomadores de absinto dormem em seu leito.
Todos extasiados de amor.
Quando andava torto,
Tu eras minha reta.
Caso saísse da medida,
Tu de compasso me servias.
Agora ando por vias retas,
Teus versos pedem linhas tortas.
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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
LIVRE A GIRAR
Esqueço chaves,
Relógio,
Tempo ,
Ofensas,
Tristezas
E carteiras.
Certo dia,
Eu, de tão distraído
Perdi um amor.
Um tempo esquecido,
Interno de uma gaveta qualquer.
Depósito lotado,
Guarda-chuvas solitários.
Um desses atrevidos
Desvencilhou-se dessa opressão.
Guiado pelo vento
Girava em diagonal
Sob uma azulada manhã.
Céu leve de outono.
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terça-feira, 24 de janeiro de 2017
MOINHO DAS BOCAS
Em um aqueduto equidistante
Percorri inúmeras eras.
Passional, resume o oco,
Buraco negro que engole
O mundo.
Triturando,
Moendo,
Moenda,
moinho
Formado por dentes.
Rodas espiraladas de caninos
Dentro de rodas menores
Formadas por caninos mais finos.
Rodamoinho de dentes
Triturando a carne,
Dilacerando
Pedaço por pedaço
O pretérito insólito.
Aquele que é preferível olvidar.
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terça-feira, 3 de janeiro de 2017
Um escritor trash que filma
Assistir o filme “O peregrino” de Celso Marques é
relembrar as empíricas e engraçadíssimas montagens da trupe Hermes e Renato da MTV.
A
modalidade trash, produzida pela
trupe, trazia improvisos e cenas impagáveis de humor. Uma idéia na cabeça e uma
câmera na mão é o que bastava para esse pessoal. Não se fazia objeção no
aspecto do improviso, não havia limites. Celso Marques, no seu particular
processo autoral, desconhecendo essa técnica de fazer vídeo e cinema, obtem
resultados similares.
A
história começa com um senhor em farrapos, mais precisamente um mendigo, que
toca um violão de aço desafianadamente perturbador. Esse sujeito, um senhor,
chamado Moisés de idade avançada, perturbado com o sucesso de ser cantor que
não chega, sai de casa e não retorna mais, deixando mulher e filhos. A cena
ganha fôlego com a entrada de Celso Marques, que interpreta irmão que procura
consolar Moisés que está entregue a bebida, mendicância e venda de sucatas
recolhidas na rua.
Em seus
devaneios etílicos, Moisés encontra-se na usina velha, ruinas de uma antiga
usina de Dourados, cartão postal. Nesse local abandonado, Moisés depara-se com
uma senhora peculiar, aparentando bem vividos 70 anos, com roupas ciganas,
intitulando-se a “guardiã da Usina velha”.
A
“guardiã” fornece agua em uma bandeija para o esfarrapado cantor e em seguida
faz uma benzedura estranha e bem humorada.
Após
essa benção, Moisés amarrado, surrado e lavado com uma vassoura. - Tentativa
desesperada do irmão de salvar o desencaminhado.
O aspirante a cantor é trancado em um quarto escuro,
com janelas sem vidros, comendo apenas uma vez por dia durante oito meses. Não
aguentando mais ficar sob tais condições subhumanas, promete ao irmão que não
irá mais catar sucatas na rua, gastar todo o dinheiro em cachaça ou vadiar.
Na
trama, o futuro cantor só era permitido sair do cativeiro amarrado como um
cachorro pelo irmão (cenas hilariantes).
Por
sugestão do ator que interpretava Moisés tem-se cenas eclesiásticas e conversas
tediosas de padres que ganham um tom sarcático na trama intuitiva de Celso
Marques.
Além de
ser uma referência e registro histórico do município de Dourados, Celso Marques
faz a sua literatura possível. Celso, que segundo o próprio, não tem
escolaridade mínima para escrever um livro, publicou dois. Com filmes não é
diferente, Celso deseja e realiza.
A soma
dessa vontade de participar no seu tempo, acreditar na sua arte e executa-la,
faz Celso Marques ser a futura referência trash
da cinematografia sulmatogrossence. Cinematografia desse diretor, produtor e
distribuidor que tem a soma sete longas-metragens.
Celso
Marques normalmente vende seus filmes nos moldes cordelista, outras vezes, expoe
seus filmes e vende os DVDs a preços acessíveis (atualmente R$10,00).
“O
peregrino” garantiu boas risadas no cineclube de Dourados.
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