"Nada humano me é estranho", assim foi uma das citações do presidente do Paraguai e ex-bispo, Fernando Lugo. No pronunciamento de sexta-feira (24), o presidente manifestou-se de maneira a calar os opositores que, segundo ele, estariam querendo desestabilizar seu governo, através de uma conspiração baseada na enxurrada de supostas paternidades - 6 até o momento, das quais uma foi reconhecida como legítima pelo presidente.
O que surpreende? Nada mais comum do que um presidente ter filhos, correto? Nada mais comum do que um clérigo ter filhos, correto? Pois bem, aí está o grande problema: com o advento da modernidade, aquilo que sempre aconteceu, hoje é esmiuçado ao máximo, não deixando dúvidas sobre sua veracidade. Entretanto, o que não veio "agregado", "embutido" ou "onboard" é a conceitualização e, principalmente, diferenciação, entre ética e moral.
Apesar de ser uma discussão complexa, que deixa dúvidas e abre premissas para réplicas, tréplicas e afins, de uma maneira sucinta, poderíamos definir ética como sendo o conjunto de princípios e normas de conduta relativas a um grupo ou instituição. Do outro lado, temos o conceito de moral que – do mesmo modo enxuto – poderíamos consagrar como sendo os bons costumes relativos ao indivíduo. Ou seja, no primeiro estariam contidas as “leis” a serem cumpridas; no segundo, os “conselhos”. Dessa forma, na teoria, uma infração ética seria muito maior do que uma moral, visto que a primeira congrega todo o grupo instituidor das “leis”; na segunda, somente o indivíduo “descuidado”.
Então, o que faz desses acontecimentos uma notícia? O fato do presidente ou do bispo ser um genitor em grande escala? Em minha concepção, nem um, nem o outro deveriam ser tema de pauta, já que há muito é sabido – em se tratando do primeiro caso – a negligência, o desmazelo e, até mesmo, a libertinagem com que são tratados os tão retrógrados, frívolos e desnecessários dogmas da igreja católica, inclusive – ou, até, principalmente – por seus mais íntimos participantes. Em se tratando do presidente, menos midiático ainda; pois alguns representantes políticos do oriente chegam a ter dezenas de filhos.
O que há no cerne dessa questão é a velha visão conservadora, impregnada tanto moral quanto eticamente pelas “diretrizes” católicas. Concordo plenamente que, se confirmada as paternidades nas ditas circunstâncias, é uma falta ética o que foi cometido pelo [bispo] Lugo, afinal quem se predispõem a integrar um grupo, uma instituição ou seja lá o que for, por mais inconveniente que esta seja, tem que estar apto a aceitar suas normas de conduta, suas leis, seus dogmas. Entretanto, colocar em jogo a moral do [presidente] Lugo, é um ato um tanto quanto precipitado, visto que, até o momento, não foi comprovado que ele tenha incorrido em qualquer delito legal.
O Estado ainda não é laico. As leis, as normas e – principalmente – a moral ainda são pautados pelo rigor religioso. Acusações éticas e morais viram o mesmo novelo de lã pelo viés eclesiástico, o que impossibilita uma política livre e, de fato, democrática.
Enquanto supostos casos de paternidade forem o suficiente para desestabilizar um governo instituído, jamais teremos uma constituição justa e homogênea, que contemple os homossexuais e racionalize a divisão das riquezas e das terras desse mundo, que tem muitas fortunas escondidas em "santinhos do pau oco".