sexta-feira, 29 de julho de 2011

Vegetarianismo: ação política ou filosofia individual?

As lutas cada vez mais se esvaziam de sentido. A alienação torna-se sistêmica. Os pontos de fuga existem, mas vão sendo, um a um, apropriados. A visão individualista e fragmentada corrompe, distorce e confunde os meios e objetivos das causas. A luta coletiva, eminentemente de cunho político, torna-se uma lamentável, simplória e insignificante posição individual, isolada e sem anseios transcendentes. Enfim, tudo aquilo que é político se tornou sinônimo do enfadonho, do chato, do desprezível e do insuportável - com toda a razão, obviamente. Filosofias de vida, outrora de caráter subversivo e contestatório, perderam-se no caminho. E ações que antes eram relacionadas a perspectivas utópicas segregaram-se à míngua. Disso tudo decorre o fato de hoje existirem milhares de pessoas que optaram, sim, por não comer carne, mas não por tornarem-se Vegetarianos.


Há uma diferença fundamental entre não comer carne e ser Vegetariano. Não comer carne é simplesmente uma opção. Ser um Vegetariano é um ideal. Existe muita diferença entre ambos. Não comer carne pode ser resultado de infinitas circunstâncias: desde alguém que tão somente não gosta do sabor da carne até o caso de pessoas que apresentam restrições fisiológicas para uma alimentação carnívora.

Outro aspecto que desponta, é a escolha por estilos alternativos de vida. Muitas pessoas optam por aderir a determinados padrões de comportamento, em busca de diferenciação social. Obviamente, tal tendência não deveria causar espanto em uma sociedade movida por um sistema tão homogeneizante.

Claro, existem casos de pessoas que passam a não comer carne por respeito, amor ou piedade aos animais. Contudo, mesmo nesse caso, ainda assim, apenas são pessoas que decidiram, pura e simplesmente, não comer carne. Isso não deve ser considerado completamente negativo, no entanto não se pode confundir tal conduta como sendo a de um Vegetariano. Ser Vegetariano [com letra maiúscula] é, inextricavelmente, uma ação política, e portanto, um ativismo.

O ponto em que um mesmo aspecto (não comer carne) adquire feições divergentes é na consciência motivadora do ato. Quem opta por não comer carne como uma filosofia individual de vida não faz dessa prática uma ação subversiva, ou seja transformadora. Somente quando a motivação está em relação a um contexto mais amplo é possível vislumbrar, de fato, uma transformação. Uma filosofia de vida que não almeje transformar, nem mesmo pode ser considerada uma Filosofia. Filosofia é uma busca perpétua pela sabedoria. E somente se busca algo que não se pode alcançar, superando, infinitamente, o degrau anterior da ignorância inata, transformando, desse modo, a consciência do sujeito que procura.

O ativista Vegetariano – verdadeiro Vegetariano – é aquele que coloca em perspectiva a sua prática individual de não comer carne, objetivando transformar o seu contexto. Sentir piedade ou amor pelos animais nada mais é do que um aspecto propulsor. O que determina a efetividade, eficácia e importância de uma prática é a sua dimensão utópica. O sujeito ativo em sua existência – ativista em prol da vida – é aquele que tem consciência de que sua ação de não comer carne subverte a lógica vigente, subverte as relações estabelecidas com os seres vivos transformados em objetos de cobiça e de desejo.

É impossível a proposição de uma sociedade ideal ou igualitária enquanto houver um centro de poder sexista, racista, classista ou, no caso, especista. Qualquer que seja a concepção de mundo idealizada que se baseie somente ou no homem ou no branco ou no rico ou na raça humana será, invariavelmente, uma concepção parcial, reducionista, simplista e insuficiente para compreender a complexa dinâmica existencial da vida. Assimilar essa concepção e lutar por ela é o papel do Vegetariano. Para se alcançar esse objetivo é necessário muito mais do que não comer carne.

De forma sucinta, reduzir a quantidade de carne consumida pouco altera a realidade instaurada. Os estilos alternativos de vida podem ser denominados como modismos porque, em sua maioria, estão esvaziados de sentido. Pessoas que decidem não comer carne por qualquer motivação divergente da de desvelar a alienação funcional do sistema, não são nada mais do que reprodutores do próprio sistema.

Do mesmo modo que algumas centenas de milhares de chesters são poupados no Natal, outros milhares de cães toys, microtoys e outras derivações aberrantes geneticamente modificadas são produzidas em laboratório, o ano todo. Novamente, o sistema empenha-se em contentar os prazeres de donos e donas que optaram por não comer carne. O sistema reiventa-se. Ele sempre está pronto para atender o gosto do freguês, tenha ele o paladar que tiver: sangue escorrendo do cupim malpassado ou alface “só com vinagre”.

Enquanto milhares de autodenominados vegetarianos e vegetarianas enfurnam-se em suas academias em busca de estilos de vida “fitness”, o sistema não para. Em uma velocidade cada vez maior, ele segrega, individualiza e fragmenta a sociedade. Através de práticas individuais, embasadas em filosofias sem sabedoria, a massa pulverizada segue seu caminho, sem destino.

Alheios, alienados e isolados da realidade real, tentam amenizar esse absurdo desprovido de sentido. Consomem drogas [sintéticas ou nem tanto], consomem bens [não-duráveis ou induráveis], consomem vidas [virtuais ou ilusórias], consomem relações [pagas ou compradas], consomem felicidade [infeliz ou triste], enfim, consomem vida [morta ou assassinada]. De tudo que fica, é a certeza da longeva obsolescência existencial e das infinitas possibilidades impossíveis. Tudo são apenas ideias sem ideais, lutas sem causas, utopias sem esperanças. E no meio disso tudo, as ações políticas são esvaziadas de todo seu potencial revolucionário subversivo, tornando-se, apenas, novos aparatos distintivos nos cenários cults e, agora, culinários de uma modernidade pateticamente absurda.