quarta-feira, 29 de julho de 2009

Anarquismo 2.0


Vivemos em um verdadeiro mundo caótico e de valores deturpados. O individualismo mórbido segrega e tortura o desenvolvimento racional. O consumismo supri-se da ignorância. E na contramão disso tudo vem o admirável mundo novo da utópica Internet. Um mundo paralelo que, embora surgido da ânsia do capitalismo voraz, é sua antítese, é o sistema marginal desse mundo fadado ao fracasso.

O que antes tinha a simples intenção de transmitir informações e projeções financeiras das grandes máfias corporativas que controlam os mercados de ações, nas mãos de Gates, Jobs e outros se popularizou. E hoje é o espaço da difusão do livre pensamento e da verdadeira liberdade de expressão.

É curioso perceber como se dá o desenvolvimento da comunidade internauta. Nos dias atuais, todo e qualquer esforço ou atividade que necessite metabolizar energia é passível de ser quantificado financeiramente: desde a troca de uma lâmpada até o recebimento do horóscopo diário com descrições aleatórias e, muitas vezes, repetidas. Entretanto, no mundo digital, perguntas técnicas, feitas em fóruns, trazem respostas esclarecedoras, capazes de solucionar as dúvidas a respeito do computador, do carro ou do humor da sua esposa. Tudo isso inteiramente grátis e com muita boa vontade. Basta alguns cliques pela Wikipédia e poderá ver-se informações a respeito de tudo. Mesmo que a prepotência cientificialoide insista em virar a cara para a nova referência bibliográfica universal, ela cada vez mais ganha espaço e credibilidade. Para observadores cartesianos paira a dúvida: onde está a motivação capitalista que impele essa ajuda, de fato, abnegada? Pois bem, meus amigos, o maravilhoso mundo da Web 2.0 gerou espontaneamente a primeira experiência comunista da sociedade humana. A tecnologia, sempre fiel aos interesses dos poderosos, acabou por minar a ascendência desenfreada do consumismo. Os adolescentes, e adultos, e velhos, e crianças cada vez mais estão aprendendo a viver de bits, bytes e de seqüências numéricas em constantes processos de codificação e decodificação. Facilmente alguém passa horas do seu dia absorto em seus devaneios via algum comunicador de mensagens instantâneas, ou atualizando sua página pessoal, abrindo sua caixa de email e etc. Até o velho costume de alimentar-se está sendo relegado. Mesmo tendo muitos lados essa verdade, é importante reconhecer o mérito dessa modernidade, pois ela tem uma implicação social muito relevante.

O maior risco que a Internet apresenta às finanças das grandes corporações é que ela destrói as teorias tão arraigadas como a da oferta e da procura. Quando surge a procura por um determinado produto virtual, a oferta adapta-se a ela. Sendo assim, oferta e procura são diretamente proporcionais. E, diferentemente do infeliz mundo real em que vivemos, para um ter o outro não precisa perder; todos podem ter; tudo é replicável e limpo. Se dez pessoas querem uma música, dez pessoas a terão e ninguém terá uma música a menos ou ficará muito rico às custas desses dez desejos. Da mesma forma, essas dez pessoas, cada uma com a música que escolheu, podem compartilhar com mais dez e infinitas pessoas, até que todos a tenham. Ninguém perde ou ganha no sentido burguês impregnado no inconsciente de toda a humanidade.

Pirataria? Não! Humanidade. Se ELES produzem um produto e o vendem-me ele deveria ser meu, e eu deveria poder usá-lo como bem entendesse. [Deveria], mas não é. Eles vendem-me um produto com coleira. Os seus copyright © não são nada além da velha hipocrisia da ilusória democracia. Democracia essa que o anarquismo virtual desmascarou, fez pirraça e chutou. É engraçado refletir sobre a [democracia] e seus princípios basilares, pois as democracias entendem que uma das suas principais funções é proteger os direitos humanos fundamentais como a liberdade de expressão. Entretanto, essa liberdade de expressão deve compatibilizar-se com os direitos fundamentais dos cidadãos afetados pelas opiniões e informações, bem como, ainda, com os outros bens constitucionalmente protegidos, tais como: moralidade pública, saúde pública, segurança pública, integridade territorial, etc. Ou seja, você é livre para dizer o que quiser, mas não fale merda, senão entrará em cana. Então, quem é livre para falar o que quiser? Quem desfruta das maravilhas desse mundo maravilhoso da [democracia]? A resposta é uma só: somente os poderosos aproveitam-na. Ao povo tudo o que resta é a “ditatocracia”. Uma forma totalitária e muito astuta de conter as massas em uma ilusória liberdade absoluta, mas que, em verdade, não contempla absolutamente nada!

Os poderosos perceberam que prendendo o povo nas ditaduras precisariam investir muito tempo e dinheiro em mecanismos de repressão que, apesar de garantirem divertidas sessões de tortura, eram onerosos financeiramente, logo inviáveis. Incutindo nas pessoas a falácia patética da democracia, todos acreditando que têm poder sobre si e, até mesmo - muito engraçado – sobre a nação, não teriam contra o que se rebelarem e assim o jogo continua sem intervenções.

A Internet mostra de forma indireta aos homens o que é um verdadeiro mundo livre. Nela as pessoas entendem o sentido da liberdade de expressão e de pensamento, sem adaptações ridículas que invalidam suas premissas básicas.

Através dos populares “Nicks”(pseudônimos virtuais) ou Fakes (heterônimos virtuais) ignora-se o artigo 220 da Constituição Federal que prevê a vedação do anonimato na divulgação de informações. Artigo criado justamente com a finalidade de punir ditatorialmente àqueles que forem contra o sistema moralista e hipócrita da sociedade.

A beleza da Internet reside no fato de podermos deixar nosso Id vagar livremente por sites e domínios bizarros, sem com isso mancharmos a identidade ilibada do pai de família que trabalha durante toda a semana para manter saudável e feliz sua esposa e seus filhos. Todos somos assassinos, estupradores, pedófilos, zoófilos e outros filos mais em potencial.

Apesar de absurdo o que muitas vezes circula pela Internet, todos deveriam ter o direito de conhecer, e, sob hipótese alguma, qualquer tipo de conteúdo deveria ser impedido de ser divulgado. Sim, sem dúvida, conteúdos taxados como impróprios deveriam ser impedidos de serem realizados e seus desenvolvedores, dependendo do caso, deveriam ser punidos; mas jamais os que assistem. Não há dúvida que muitas pessoas que estão lendo esse post já assistiram ou procuraram informações sobre assuntos que jamais ousariam revelar ao seu ursinho ou ao seu psicanalista, mas nem por isso representam um risco à sociedade.

É absurdo pensar que ainda vivemos sob o mesmo sistema repressivo de antigas ditaduras. Não há a liberdade de ser sustentada certas posições políticas tidas universalmente como erradas, assim como o Nazismo. Sem dúvida, esse sistema político tem em seu cerne fragmentos que colocam em risco a integridade de certos indivíduos, portanto não deve ser legitimado. Entretanto, não é admissível que o conteúdo ideológico sofra obstruções de difusão. Se se acredita que pessoas ditas nazistas representam um risco à sociedade, medidas [educativas] e não repressivas deveriam ser adotadas para que ideologias como essa não sejam escolhidas; mas o direito de escolha deveria ser assegurado, de outra forma onde está o direito à liberdade de pensamento? De nada adianta tapar o problema. Impedir que um nazista sustente uma suástica não impede que ele a venere ideologicamente. Da mesma forma, prender uma pessoa que assiste conteúdo pedófilo não acabará com o problema, muito pelo contrário, incentivará a prática, pois quanto mais medidas repressivas forem adotadas, mais caro tornar-se-á a obtenção desses conteúdos, e, por consequência, mais lucrativo aos criminosos.

A educação não deve ser confundida com alienação ou censura. Os jovens desde muito pequenos deveriam ser alvejados com tudo o que a história produziu, inclusive com todas as questões filosóficas, éticas e psicológicas. E assim, com um arcabouço humanístico minimamente decente, poderiam discernir, por conta própria, o certo do errado; fazer seus julgamentos subjetivos de valor, sem a interferência externa dos gorilas intelectuais.

A Internet tem uma participação louvável na sociedade. Ela hoje é a válvula de escape para que possamos ser o que somos, sejamos bons, sejamos maus. Ela não transforma homens em demônios, apenas revela-os como sempre foram e sempre serão. Mas o que mais chama a atenção é que todas as atitudes aplicadas ao mundo virtual, nada mais são do que reflexos do mundo real. E, apesar de tantas práticas criminosas, o que mais salta aos olhos são os benefícios desse mundo virtual. É incrível o fato do livre acesso à informação de toda ordem. É incrível a verdadeira liberdade de expressão. Resumindo, é incrível o verdadeiro sabor da verdadeira liberdade, da mais pura e verdadeira individualidade romântica burguesa. E mesmo com toda essa liberdade o que se avulta é a utilidade do homem ao homem, e menos a estupidez recíproca.

Abaixo à repressão virtual; abaixo ao poder coercitivo; abaixo à restrição da privacidade; abaixo às leis e normas de conduta; abaixo ao governo e aos governantes do mundo virtual. Quero ter minha vontade soberana; quero ser livre pra dizer o que penso e como vejo o mundo; quero estar imerso em todos os crimes e criminosos virtuais, pois é na fictícia realidade que os monstros rebelam-se, e eu quero estar em companhia de todas as aberrações que o sistema opressivo e selvagem criou. Viva a liberdade, viva o Anarquismo 2.0!


"Posso não concordar com nenhuma das vossas palavras, mas defenderei até a morte o vosso direito de enunciá-las". (Voltaire)