domingo, 2 de agosto de 2009

Análise de Matrix


O problema inerente ao filme Matrix é: até onde podemos confiar na nossa percepção que acredita diferir a realidade do idílico. Bem, esse questionamento é extremamente antigo e causa muita angústia aos que se debruçam sobre ele; pois, mesmo Descartes tendo dito “penso, logo existo”, no desespero atroz de alimentar seu egocentrismo, perguntas ainda ficam suspensas: o que é a realidade? Que garantias temos de que diferirmos o que é real do que não o é? Será que pensar é garantia de existir? O que é existir?

O homem é extremamente antropocêntrico e egocêntrico; tem dificuldade em conceber que a natureza não necessita de sua presença, muito menos de sua existência: o mundo pode girar sem ele. No entanto, essa posição é desconfortável, o que o faz, desesperadamente, procurar fórmulas incontestes e dados empíricos factuais que comprovem, inexoravelmente, a sua condição de existência e de participação do que ele acredita ser o real, o existir. Essa ideia preconcebida de homem esclarecido e detentor do conhecimento fecha os olhos para o que pode estar além do sensorial. A criança quando nasce é impelida a um mundo repleto de signos, significados e códigos. O recém nascido é carne, e só. A partir de então, mentiras e suposições tidas como verídicas são gravadas no seu cerne, no âmago de um ser acrítico.

Em tese, para um código ser minimamente confiável, devemos atribuir-lhe certas características estruturais, a saber: binariedade: cada código deve ser estruturado em paridade; polaridade: cada par binário deve manter uma relação de oposição; e assimetria: um dos componentes do par deve prevalecer em detrimento do outro. Essas características tornam possível a distinção entre a dor e o prazer; entre a água e o fogo; e etc. Mas qual é o par da realidade? Qual a sua negação?

Exatamente isso o que torna a percepção da realidade e, até mesmo, da própria existência uma suposição calcada no nada. O filme Matrix elucida esse dilema de maneira bastante interessante. Toda a vida daqueles que acreditavam estar na realidade - na qual eu e você também acreditamos estar inseridos - em verdade, estavam em um mundo alheio ao seu conhecimento, fora do seu saber e do seu entendimento e compreensão; mas só critica quem conhece, então, por estarem cegos, as pessoas ingenuamente faziam parte de uma sociedade paralela, servindo a propósitos diversos dos quais acreditavam servir. Preocupavam-se com tarefas as quais não existiam, sofriam por problemas fictícios e sentiam prazer por benefícios idílicos.

O que é mais frustrante nesse imbróglio que é, ou pode ser, a realidade é o fato de que nós, teoricamente, estamos inseridos nela, tal como ela se apresenta. Ou seja, não somos um observador externo e nunca o seremos, pois todos os artifícios e subterfúgios criados, ou que ainda o serão, vão estar fundamentados sobre a égide da “realidade” que nos foi apresentada quando ainda éramos apenas carne, e só. É como se houvesse grandes braços anuviando nossa visão, impossibilitando-nos de ver além.

Ficcionalmente, no filme Matrix alguns personagens conseguiram libertar-se dos “grandes braços” e chegaram a um estado de consciência mais avançado do que o dos demais. Entretanto, o processo de libertação não conseguiu responder satisfatoriamente a dúvida: estavam, finalmente, de fato, na realidade? Para uma análise menos redundante, cíclica e infinita, vou admitir que só haja a possibilidade de duas realidades: a idílica e a, teoricamente, real.

Ao se libertar do mundo Matrix, os personagens chegaram a uma segunda forma de realidade, com características sensoriais e perceptíveis diferentes; mas, ainda sim, que respeitavam as mesmas leis físicas de tempo, de espaço e das dimensões. Mas que garantias eles tinham de que sua nova condição existencial era a real? Nenhuma, porque, grosso modo, tanto o mundo Matrix como a “realidade” eram pautadas pelas mesmas diretrizes, pelas mesmas leis; não existia entre elas binariedade, polaridade ou assimetria. Não que as leis que validam um código, necessariamente, tenham que se aplicar à realidade absoluta. Mas, como mostrado no filme, tanto a primeira como a segunda realidade não têm atributos que podem defini-las como verdadeiras ou falsas. A linha cinematográfica adotou que, por eles no mundo Matrix estarem sonhando, e por o sonho ser definido em nossa realidade como um estado não real, eles não estariam na realidade quando no mundo Matrix. Contudo a realidade está além do conhecimento humano, ou pelo menos o conhecimento absoluto da realidade.

A principal contribuição do filme à sociedade é o fato de chocar as ideias estáveis e conservadoras dos que acreditam poder ter algum ponto de referência estável, fixo ou absoluto. Tudo são visões particulares de um todo maior e muito mais complexo, em que as leis que regem o tempo e o espaço não necessariamente são leis, tampouco o pouco que acreditamos conhecer, de fato, é conhecível. Todavia, para fins de manter a sanidade, foram adotados padrões de entendimento para que se possa haver comunicação. Para entender a realidade, abafamos as verdades e contentamo-nos com a mentira estável e imutável, movidos pelo eterno pavor da sombra da loucura que paira sobre aqueles que não se adaptam à cartilha da existência.