sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Liberdade? Hein?

Cecília Meireles, no Romanceiro da Inconfidência, escreve: “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Infelizmente, terei que discordar. Atualmente, é dificílimo fazer compreender esse conceito. Entender é fácil. Explicar é possível. Porém, fazer os outros entenderem é quase impossível. Talvez, seja porque nesses dias o sonho humano não alimente a mais nada, a não ser à futilidade. A previsão de Orwell adiantou-se em, pelo menos, meio século.

A sociedade é tão repressora e reprimida, tão opressora e oprimida, tão alienadora e alienada que esse conceito está se tornando impronunciável. Lembro-me do livro 1984, de Eric Arthur Blair. No livro, é desenvolvida a “novilíngua”, o idioma criado pelo Partido do Grande Irmão. Uma passagem interessante é quando um funcionário expõe que “todo o objetivo da novilíngua é estreitar a gama do pensamento”. Ele continua, “no fim tornaremos a crimidéia literalmente impossível, porque não haverá palavras para expressá-la”. As “crimideias” são os pensamentos relacionados ao conceito de rebelião, portanto considerados subversivos. No mundo de George Orwell, pseudônimo de Arthur Blair, o controle da realidade dava-se pelo controle das mentes. Destruir palavras era o primeiro passo para essa conquista. “Cada ano, menos e menos palavras, e a gama de consciência sempre um pouco menor.” De fato, a capacidade de conceituar a realidade é uma ferramenta indispensável às utopias que visam à transformação. “Como será possível dizer ‘liberdade é escravidão’ se for abolido o conceito de liberdade?"

Orwell escreveu isso em 1949. No livro, era previsto que a novilingua fosse um idioma perfeito até 2050. Entendia-se por perfeito o momento em que todo o conhecimento da anticlingua – idioma materno – fosse abolido. “Todo o mecanismo do pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento, como hoje entendemos. Ortodoxia quer dizer não pensar... não precisar pensar. Ortodoxia é inconsciência."

Incrivelmente, já em 2011, discutir sobre o conceito de Liberdade é uma tarefa significativamente árdua. Muitas pessoas não conseguem entender, visualizar ou, sequer, imaginar. Observo que é como se um entusiasta da informática tentasse explicar a cavaleiros medievais as maravilhas da internet wireless. Esse triste cenário não reflete apenas os efeitos de uma crescente imbecilização do pensamento contemporâneo, mas também das consequências de uma sociedade cada vez mais policialesca, institucionalizada e burocratizada.

Se crianças são criadas sem liberdade por pais que foram reprimidos, dentro de um Estado opressor, como se poderia vislumbrar o conceito de Liberdade? No senso-comum torna-se óbvio e auto-evidente que não seriam necessários tantos dispositivos de controle, de repressão e de normatização se os homens pudessem ser livres. Definitivamente, planta-se a crença de que a Liberdade não é possível para os homens.

A perpetuação dessa visão de mundo me espanta. Diferentemente dos cavaleiros medievais – que nunca tiveram contato com a internet wireless – a sociedade vive sob a égide da visão que nega a possibilidade de liberdade desde 1651, quando Thomas Hobbes publicou o Leviatã. A concepção de que as pessoas deveriam renunciar à sua Liberdade em troca de tranquilidade, não me pareceu eficiente. Desde Hobbes, duas guerras mundiais, fascismo, nazismo e outros ismos selvagens assolaram a humanidade. Não precisamos remeter somente a dados históricos para confirmar isso, podemos coletar as estatísticas atuais das grandes cidades. Concluirmos que o Direito Positivo não contribuiu para garantia do Bem Comum.

Quando falamos em Liberdade, imediatamente somos retrucados por visões apocalípticas, inerentes a um sistema doente. “Então todos poderão matar-se uns aos outros.” “A violência imperará!” “Será um retorno à barbárie!” “O que faremos com os que não quiserem trabalhar?” “E os ladrões?” É engraçado notar como todos têm certeza absoluta do que falam. Quase não há pessoas que critiquem a possibilidade de que, em liberdade, muitas formas de transgressões poderiam perder, imediatamente, seu sentido. Raras são as vezes que uns e outros refletem sobre a possibilidade de muitas “disfuncionalidades” do sistema existirem justamente em função, apenas, do próprio sistema.

Se não bastasse isso tudo, cada vez mais leis e normas são redigidas, cada vez mais as formas de punição se recrudescem, porém, cada vez menos, a paz é conquistada. Condomínios parecem prisões; carros, tanques de guerra; homens, soldados treinados para matar; e assim por diante. Tudo inútil. Não sei se sou o único, mas é exatamente isso que entendo por barbárie.

As pessoas estão cegas, alheias de suas próprias consciências. A noção de que o “Homem é o Lobo do Homem” não encontrou solução no apelo à lei e à ordem. Alguns homens já despertaram desse transe. Pena que ainda são poucos. Bertolt Brecht é um deles. Em seu poema, “Os Dias da Comuna”, num trecho ele diz: “Considerando nossas fraquezas, os senhores forjaram suas leis para nos escravizarem. As suas leis não serão mais respeitadas”.

Estão todos uns contra os outros, enfraquecendo-se mutuamente. Enquanto os homens deixarem-se iludir no sentido de que seus inimigos são os próprios homens, continuarão a legitimar esse sistema opressor e mediador das relações, sem nunca perceberem que é este mesmo o verdadeiro Lobo de todos os homens.