Após a morte de deus, o fim anunciado da família, o início da ciência e a legitimação do consumismo, todas as formas de imaginação e meios de sonhar foram suprimidos, deteriorados para que a nova ordem estabelecida pudesse vigorar. Viver tornou-se um ato pragmático, um praxe preestabelecido, um clichê nada emblemático. Nesse mundo seriado, em que o conhecimento, os produtos, os sentimentos e as almas são produzidos em série, contra o tempo e em busca de conseguir mais disponibilizando menos, o amor tornou-se também passível de ser consumido. Mas tudo que é consumido se consome durante o tempo, decai, perde o sentido de uso, o encanto, a utilidade, torna-se obsoleto. O que é industrializado só é interessante enquanto atualizado. A novidade quando deixa de ser nova, passa a ocupar, estorvar e é guardada até o momento em que se adquiri a certeza de que ela não será mais necessária, não se tornará indispensável em determinado momento indeterminado, não será procurada em um momento qualquer. Na capitalização dos afetos, nenhuma relação se mantém estável, nenhuma certeza é inabalável, nenhuma situação é imutável. Essa incerteza constante que torna cada instante uma apreensão angustiante implanta o medo e a insegurança. Uma ansiedade tão insuportável que a opção mais aprazível é viver uma vida à parte, longe das reviravoltas e revoltas das relações interpessoais. Decididamente racionais, podemos, enfim, engajarmo-nos no jogo, planejar um futuro, tornarmo-nos maduros, contribuir para a sociedade, movermos a economia, empurrarmos para longe a esperança de uma utopia, caminharmos desprovidos de ideologia.
Amar é subversão. Quem ama se abraça na maior contravenção social. Liberta-se das amarras desse mundo ciborguizado, desses estereótipos doutrinados, da grande massa de alienados. A existência ou não do amor comprovar-se-á ao fim da eternidade, mas até lá, amar significará não cair na generalização. Garantirá o direito a sonhar e a viver de uma arte subversiva, fundadora de uma nova linguagem, de um modo de viver menos egocêntrico, menos centrado no centro do ego covarde que não se expõem, que não se permite, que não compartilha, que não reverencia. Amar é imaginar a cada instante uma nova forma de futuro, um futuro sempre idealizado, utópico e transcendente. Amar é sonhar, quebrar as regras. Enquanto nesse mundo houver amantes, sempre poderemos acreditar em um novo mundo novo. Não importa o que digam, amar é uma arte, amar é liberdade. Amar é uma reestruturação contextual, uma destruição dos paradigmas arcaicos desse mundo racionalmente irracional.