quarta-feira, 29 de setembro de 2010

DE QUANTOS DEMOS É A DEMOCRACIA?


A palavra democracia, tendo duas raízes gregas: demos (povo) e kratia (domínio, autoridade para decidir) tem sua história ligada à ideia de que o poder de gestão deveria emanar do povo. Entretanto, ela nem sempre foi tão popular como nos dias atuais, passou a ter seu uso difundido somente na primeira metade do século XIX, sobretudo na Europa ocidental. Contudo, naquela época, seu emprego era compreendido de forma semelhante ao que hoje se entende por terrorismo. Pensar que o povo poderia assumir o poder era visto pelos soberanos modernos como um pesadelo idealizado por radicais irresponsáveis.

O ápice reformador dos ideais democráticos se fez presente nas revoluções de 1848, nas quais o povo se rebelou em diversas revoluções sociais. Primeiramente, aqueles que detinham propriedades, responderam com repressão, mas logo passaram a fazer pequenas concessões, com o intuito de restabelecer o equilíbrio assimétrico. Dentre as pequenas concessões, pode-se citar a aceitação de que, lentamente, pessoas do povo passassem a votar. Com essa medida, acreditavam que as demandas da população poderiam ser satisfeitas, porém mantendo-se o status quo.

Até certo ponto, as providências tomadas por aqueles que detinham o poder funcionaram, afinal, pelos 150 anos seguintes, as concessões e assistencialismos afins conseguiram frear o ímpeto radical dos movimentos insurgentes que lutavam pelo estabelecimento de democracias.

Após 1945, até mesmo a própria palavra democracia foi cooptada; desde então, muitos estados vêm declarando estar a favor dela, lutando por uma sociedade e por um mundo verdadeiramente democrático.

Chegamos à Democracia?

O que se evidenciou na trajetória da democracia – a qual nos remete aos primórdios da pólis grega – foi a constante reformulação de seu entendimento pela sociedade. Hoje, aparentemente, chegamos à concepção mais abrangente, integrativa e verdadeiramente democrática que o conceito de democracia poderia oferecer. Todavia, após todas as lutas travadas contra regimes autoritários e ditatoriais em busca da forma de governo idealizada por tantos povos, as conquistas angariadas, desde liberdades individuais até o direito ao voto, parecem não ser valorizadas como deveriam, principalmente entre os mais jovens. Sem ação cidadã e sem atuação educativa política, não há democracia. Exemplo do descaso, poderíamos citar uma ainda incipiente participação de eleitores brasileiros entre 16 e 17 anos. Tendo em vista que, no Brasil, o voto é facultativo para cidadãos dessa faixa etária, o pequeno engajamento poderia refletir a desvinculação do povo em relação ao processo do qual ele é o ator principal.

Quando perguntado sobre o fato de se os brasileiros estariam ou não descrentes da política, Pedrinho Guareschi, pós-graduado em Sociologia e doutor em Psicologia Social, faz uma sucinta e contundente análise:

“Diria que há razões para se estar descrente da política nos dias de hoje (2010), mas também diria que o descrédito era bem maior há alguns anos. Vejo nessas eleições de 2010 uma espécie de "plebiscito" entre dois modelos, dois projetos de sociedade, representados pelos dois candidatos que lideram a presente eleição. As pessoas parecem um pouco mais motivadas, principalmente por que estão vendo coisas concretas já acontecendo, principalmente na área econômica e na área social. E pelo social quero entender a oportunidade de participação das pessoas, que foram chamadas a participar, nos últimos anos, para dizerem sua palavra, principalmente através das conferências nacionais (foram 68 nos últimos 6 anos, contra um total de 107 desde 1940!). Isso anima as pessoas. Outro ponto muito importante é que as pessoas percebem que já podem participar muito através da mídia alternativa, contrapondo-se e denunciando uma mídia autoritária e elitista, pertencente apenas a menos de 10 famílias, que sempre se colocou como formadora da "opinião pública", como se só eles soubessem! Acho que essas eleições e a participação das pessoas são em grande parte uma resposta, principalmente dos jovens, contra essa mídia elitista, centrada em S.Paulo e rio (Folha de S.Paulo, Estadão, Globo e Veja). Isso anima as pessoas e lhes dá mais esperança”.

Mídia & Democracia

Com base no exposto acima, percebe-se a grande importância dada por Guareschi aos meios de comunicação no processo democrático, opinião que se evidencia em um de seus livros, Mídia & Democracia, no qual é discutida a imbricada relação entre o poder político e a mídia, sendo enfatizada a importância de conhecer-se a realidade dos meios de comunicação de massa para que seja mudada a realidade de monopólio do setor de comunicação, passo fundamental na busca de uma democratização da mídia e consequente democratização de âmbito social.

A concentração da mídia levanta uma questão importante a respeito do papel dos profissionais da comunicação - leiam-se jornalistas - os quais, em tese, deveriam ter como compromisso ético lutar contra a opressão e pela liberdade de todos os cidadãos. No entanto, o engajamento social da imprensa fica comprometido quando os grandes veículos de comunicação transformam-se em conglomerados com finalidades políticas e econômicas, anseios indiscutivelmente incompatíveis com o livre exercício do fazer jornalístico.

A propósito desta questão, Pedrinho Guareschi reflete sobre a percepção atual da democracia brasileira:

“A democracia está se aprimorando, principalmente através da participação das pessoas exercendo sua cidadania. Mas cidadania significa participar "dizendo a palavra", expondo seu projeto. E isso está acontecendo através da mídia alternativa. Como dizia o Betinho (Herbert de Souza), "só há democracia numa sociedade quando há participação dos cidadãos na comunicação".

É importante levantar a discussão sobre a função da mídia em sociedades cada vez mais complexas, pois, ao analisar-se a consciência política de um povo, não se pode deixar de refletir sobre o grau de inclusão e do conhecimento da população a respeito das atividades políticas. Afinal, ninguém pode se interessar por aquilo que desconhece, então uma forma de engajar eleitores e eleitoras no processo eleitoral seria torná-los cientes de suas responsabilidades como cidadãos. Em 1979, Glauber Rocha, no programa Abertura da TV Tupi, entrevista um morador do Rio, tratando-o como representante do povo. Bem como a maioria da população carioca, o popular se comporta de forma algo temerosa frente à câmera, enquanto Glauber o motiva a agir e falar naturalmente. Neste ano, a abertura democrática já permitia questionamentos políticos mais incisivos. Quando perguntado sobre o “futuro democrático do Brasil”, o entrevistado diz que não entende “nada disso”.
“E ditadura, sabe o que é?” “não, não entendo nada”.
O cineasta, sempre preocupado com as questões sociais, flagra com precisão a ignorância que rege uma imensa maioria popular, inconsciente mesmo dos conceitos de democracia e ditadura, apesar de ter vivido os últimos anos exatamente em uma. Winston Churchill costumava dizer que o melhor argumento contra a democracia era uma discussão de cinco minutos com um eleitor comum. Apesar da sátira, o estadista britânico atestava aí sua preocupação com o nível de informação da população, que, acreditam alguns, pode ser ajudada com alguns dispositivos. Pedrinho Guareschi enfatiza algumas reformas que poderiam ser pensadas para aumentar a participação política consciente:

“As reformas fundamentais, no meu ponto de vista, são a reforma política e a reforma da mídia. Política, fazendo com que as votações sejam limpas, e não condicionadas pelo econômico, onde os que mais têm, conseguem mais votos. A lei da Ficha Limpa é um grande passo para isso. E reforma na comunicação, pois sem uma comunicação democrática e participativa, nunca poderá haver verdadeira democracia, isto é, cidadania”.

E Quem Se Importa?

Um importante indicativo acerca da realidade a médio e longo prazo de um país são os universitários, tendo em vista que serão eles que, em breve, comporão a sociedade economicamente ativa, portanto as decisões tomadas agora os influenciarão, substancialmente, no futuro. Entrevistamos alguns estudantes a partir do seguinte questionamento: “estariam os jovens descrentes da democracia”?

Caroline Capaverde, 27, estudante de Psicologia/UFCSPA –“ Os jovens estão descrentes da democracia. Não, os jovens não têm acesso à democracia. Aos jovens, nas eleições de 2010, resta assistir à manutenção de uma máquina de governo que mobiliza a grande massa. A política alternativa de Plínio ou o meio ambiente de Marina podem até seduzir o jovem cidadão, mas Dilma é quem tem voto certo da esmagadora massa preocupada - muito mais - em manter o bolsa família, o bolsa escola a observar novos candidatos, outros projetos, novos rumos. Em resumo, a juventude observa uma maioria coagida a manter um sistema de governo, enquanto espera o dia em que, verdadeiramente, possa exercer sua cidadania, certa de que todos a exercem de forma digna e destituída de valores corrosivos. Quem sabe o governo petista não inove e ofereça o bolsa democracia no governo Dilma. Os jovens aguardam (ansiosos)”.

Jorge Delmar Júnior, 32, estudante de Letras/UFMT – “Pode-se responder afirmativamente essa questão em relação à descrença na democracia, pois jovens nascidos no final dos anos 80 não presenciaram ditaduras ou grandes manifestações em prol dos direitos civis. O direito de votar pela primeira vez após ditadura foi em 1992, e esses jovens estavam então com quatro ou cinco anos. Manifestar-se por ideologias da direita ou da esquerda, ou até mesmo não acreditar em nenhuma delas, são indícios do sólido Estado de direito que, desacreditado pelos jovens, denuncia uma inércia, não permitindo surgir uma jovem liderança”.

Juliane Paz, 22, estudante de Veterinária/UFRGS –“ Acho que existe democracia, pois eu posso dizer o que eu quero, mas como são muitas pessoas além de mim que decidem, e talvez poucas que pensem como eu, não é muito válido o que eu quero. Um exemplo disso é o bolsa família, como uma grande parte da população é carente, acabam votando no Lula por conveniência, e sendo uma maioria, meus interesses específicos perdem a importância”.

Luan Vargas, 22, estudante de Filosofia/PUC –“ Dos tantos aspectos da cultura nacional, há de se perceber a profunda, e já folclórica, descrença do povo nos políticos e governantes em geral. Muito provavelmente motivada por um processo histórico que paulatinamente vem perpetuando a imagem de políticos desinteressados no bem-estar e desenvolvimento do povo (ou ao menos mais interessando em seu próprio bem-estar) desde os tempos de Brasil-colônia até os dias de hoje. É natural não só ao jovem, assim como ao cidadão de qualquer idade, desconfiança ou descaso com a situação política do país, seja ela qual for. Situação acentuada pelo total "não - estimulo" por parte das instituições educacionais, incompetentes, de mãos atadas, ou falidas. No final das contas, escândalo após escândalo, o jovem mais preocupado com dificuldades do dia-a-dia só encontra identidade, apego, no fácil repúdio a política em geral”.

Ricardo Taraciuk, 23, estudante de História/UFRGS – “Me parece que a democracia não é mais um assunto presente na realidade dos jovens de hoje, simplesmente por que ela deixou de ser a pauta, passamos a acreditar que a conseguimos em 1988”.

Roberto Decker, 18, estudante de Psicologia/UFRGS – “Acho que os jovens vêem a política como um todo de forma muito superficial e bitolada; não sabem como a democracia (e a política e as eleições) poderia funcionar bem e se sentem excluídos e não importantes no processo democrático. Todo mundo acha política um troço chato”.

Talvez um dos fatores que afaste os cidadãos de suas responsabilidades para com a sociedade seja o fato de que o âmbito político, muitas vezes, parece estar inacessível à população, como se o processo eleitoral, bem como os trâmites democráticos, ocorressem de forma independente da vontade social. E o que há de mais lastimável nessa constatação é o fato de que a diminuta participação ativa nas democracias possa não ser puramente efeito do descaso social, mas o descaso social ser consequência do interesse de certos setores da sociedade em manter o poder de decisão dos rumos políticos alienados da vontade do povo, exatamente como ocorreu nos primórdios dos levantes por uma forma de governo democrática. Ou seja, apesar de muitos avanços, a democracia ainda está muito impregnada do caráter assistencialista, o qual concede alguns direitos e liberdades individuais, porém, de forma discreta, obscurece e mitiga possibilidades verdadeiramente reformadoras da sociedade. Novamente, a solução encontra-se na educação política. O conhecimento é a arma maior para a manutenção de um estado de políticas igualitárias. Informar-se sobre a história e sobre o presente do país impedem que alcancemos um pensamento político ataráxico e acomodado.

Para falar sobre esse aspecto, procuramos o Vereador e candidato a Deputado Estadual pelo PT, Carlos Todeschini:

“A democracia teve avanços, a gente deve reconhecer isso, a democracia formal avançou muito no Brasil; o próprio sistema eleitoral brasileiro dá uma aula de democracia, devido ao sistema eletrônico, que o Brasil é pioneiro. Mas a democracia não é completa porque ela não proporciona uma informação equilibrada, ela não proporciona uma educação política, cultural e social equânime. A democracia é um processo, acho que nós avançamos nos elementos formais, mas ainda tem muito por acontecer. A sociedade precisa se apossar de todos os seus direitos. Por exemplo, nós temos a constituição de 88, poucas são as pessoas que sabem que, por exemplo, se tropeçarem na rua, em uma laje solta, elas têm direito a acionar o Estado, porque a autoridade não cuidou da segurança dela. Essa é uma informação elementar, que está ao alcance de todos. Inclusive, as pessoas podem ser indenizadas por danos morais, além de prejuízos por lesões. As pessoas não têm noção das leis. Não sei se em outros países é muito melhor, eu sei que nos Estados Unidos não é, pois as prisões estão entupidas, porque as pessoas não sabem buscar os seus direitos legais e constitucionais. Então, uma sociedade só é completa quando ela é plenamente consciente dos seus direitos e os exercem. Mas temos um longo caminho até chegarmos lá, isso não significa que não estejamos avançando, o próprio governo Lula é um avanço, os governos democráticos têm sido uma força auxiliar importante, mas temos coisas intocadas como a mídia, o poder econômico... Quem tem poder econômico no Brasil, tudo pode, quem não tem, muito pouco pode. E para uma sociedade democrática é preciso haver equilíbrio”.


Uns enfatizando mais, outros menos, o que se percebe é um razoável consenso com relação à pouca importância dada aos processos democráticos, tanto pelos jovens como pelos adultos. Reside aí um perigo que Platão previa: “A ditadura naturalmente nasce da democracia, e a forma mais agravada de tirania da mais extrema liberdade”. Tal liberdade, negativa no contexto da frase, é a apatia política. A reflexão importante é: seriam os cidadãos que estariam abandonando a democracia ou seria a democracia que estaria abandonando os seus cidadãos?

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