sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Onde Foi Que Marx Errou?


Mais um ano em que o sistema de cotas está em vigor na UFRGS, e mais um ano em que seu “objetivo” não é cumprido. Negros continuam relegados a um segundo -ou terceiro- plano, e nossos verdadeiros necessitados sequer sabem o endereço de nossa universidade...

O sistema de cotas é falho, pois beneficia não àqueles para os quais as cotas deveriam ser direcionadas: vestibulandos de baixa renda que nunca tiveram oportunidade de se dedicar integralmente aos estudos, devido à necessidade de conciliar a carreira profissional com as aulas, e assim poderem cooperar com as despesas domésticas de uma família que, em muitas vezes, têm um número expressivo de integrantes dependentes única e exclusivamente da renda deste futuro vestibulando.

Então, supondo que por alguma razão, este estudante que não teve oportunidades de estudar, pois deveria trabalhar durante a maior parte do dia, venha a passar no vestibular beneficiado pelo sistema de cotas, como ele, agora, conseguirá administrar seu tempo para que possa realizar as cadeiras da universidade federal gaúcha, sendo que nela os horários não são fixos e se misturam em períodos de manhã, tarde e noite? Se este estudante puder abandonar seu emprego para cursar a universidade - em que a maior parte dos alunos não trabalha - ele não precisaria ter ingressado apoiado ao sistema de cotas, pois poderia investir seu tempo que, agora (aprovado) dispõe, para se preparar e atingir a pontuação necessária.

É exatamente isso o que o sistema de cotas faz: mantém a exclusão. Pois aquele estudante que verdadeiramente dependeria das cotas, ou não é atraído para a universidade por não poder manter o sustento de sua família, ou é desclassificado durante o processo, que como sabemos, é de alto nível de dificuldade, e que, dependendo do curso escolhido, só é possível a aprovação - mesmo apoiado às cotas- mediante a um excelente programa de estudos, e, segundo às opiniões favoráveis às cotas, alunos egressos de escolas públicas não dispuseram desta ferramenta. Não bastando isso, o estudante que realmente dependeria das cotas, caso não seja desclassificado pelo ponto de corte, no momento de competir com seus adversários, também "cotistas", perde sua vaga para aqueles que desfrutam indevidamente da oportunidade das cotas.

Alunos que desfrutam indevidamente das cotas são aqueles vestibulandos, em sua maioria de classe média, que estudaram em escolas públicas por estas estarem mais próximas de suas residências - não havendo necessidade do uso de conduções-, por exemplo. Ou que na família já exista um irmão mais velho cursando alguma instituição de ensino privada, e este estando mais próximo do vestibular, faz com que sua família, por não ter condições de pagar para ambos, e afim de assegurar a possibilidade da aprovação em uma universidade gratuita, abdique do ensino do mais novo, o qual, entre outros motivos, pode ter adquirido vínculos de amizade na escola, o que o faz optar por cursar toda sua carreira escolar em uma instituição pública. Além desse exemplo, existem muitos outros que podem levar alguém com condições de pagar uma escola particular, optar por matricular seu filho em uma escola pública, e assim poder, com o dinheiro economizado durante os anos letivos, investir em cursinhos pré-vestibulares que, como se sabe, é o que faz a diferença na hora de garantir uma vaga na universidade. Por outro lado, famílias sem necessariamente condições de pagar uma escola privada optam por fazê-lo na esperança de garantir a aprovação em uma universidade pública, pois se comparado o custo do ensino médio com o do superior é sabido a diferença exorbitante. Como conseqüência, os cotistas estarão tão preparados quanto os não-cotistas – e em alguns casos, até mais-, como exemplo, o que ocorreu no concurso vestibular UFRGS/2008 e UFRGS/2009, em que alunos, oriundos de escolas públicas, prestaram vestibular para medicina e obtiveram uma pontuação mais alta do que muitos dos primeiros colocados pelo acesso universal.

O eufemismo das cotas para auto declarados afro descendentes remonta – ao meu ver- escamoteadamente uma época da história em que judeus e alemães tinham momentos diferentes para cruzar a rua; estabelecimentos restritos a não judeus e outras formas irracionais de segregação. Entretanto, hoje, parecemos estar apoiando esse – vejam as aspas- “bom nazismo”, o qual segrega, diferencia etnicamente e, em última análise, humilha. Mas será mesmo por uma boa causa?

Temos poucos negros em nossa universidade? Sim, é fato estatístico, todavia as reformas de base deveriam iniciar pela base do problema e não pelo topo da pirâmide.

O estado é único, e prima de mesma forma para todos. Se as instituições de ensino público são responsabilidades do governo e a atenção é dada de maneira igualitária para todas as escolas, como pode um aluno declarado cotista - por não ter as mesmas oportunidades de estudo que os não cotistas - alcançar uma pontuação superior à maioria das conseguidas por alunos ditos “melhores preparados” (escolas particulares)? Por qual razão, alunos cotistas classificados nos primeiros lugares pelas cotas em seus respectivos cursos conseguiram médias superiores a inúmeros outros classificados pelo acesso universal?

Existe um grande abismo que separa a oportunidade de estudo da regalia desmedida. Alguém com ambição de mudar seu quadro social através dos estudos deve apoiar-se em seu esforço e mérito, e não em uma brecha - proposital ou não- deixada no sistema de seleção.

O Brasil quer igualdade, quer progresso? Pois bem, todos queremos. Apoiamos incondicionalmente a inclusão social, entretanto uma inclusão realmente inclui quando nenhuma parte do todo é retirada. Caso contrário, não estamos à beira de uma revolução social, mas sim de uma substituição disfarçada.

O grande donatário de privilégios não é a direita nem a esquerda, mas sim o estado que agora pode esbanjar dados favoráveis quanto ao ingresso ao ensino superior, e conseguir esmolas dos financiadores internacionais.

A reforma não deve ser somente paliativa para sanar problemas gritantes, deve ser de base e bem estruturada. Não devemos abrir as portas das nossas universidades a “pseudocotistas” -despreparados e oportunistas -, mas aperfeiçoar o ensino e dar oportunidades iguais àqueles que realmente querem estudar. Para assim fazer, devemos expandir significativamente projetos de cursos pré-vestibulares gratuitos, onde só chegarão vestibulandos realmente interessados em alcançar um lugar na vida.

Queremos estudar? Comecemos agora! O vestibular é a melhor forma de testarmos nossa capacidade de obstinação. Pular esta etapa é chegar ao fim profissionalmente desqualificado.







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