O pior que pode ocorrer para um curioso é tornar-se preconceituoso. Preconceito e conhecimento são antagonistas declarados. Aqueles que querem ser mais do que apenas um em meio à massa, precisam infiltrar-se repetidamente no desconhecido, desbravar o inusitado e jamais contentar-se com o evidente. Na realidade, a curiosidade não deveria ser tida como uma vaidade ou como um adorno a ser ostentado, mas como uma característica inextricável do ser humano.
Nesses tempos de políticas e politicagens afins, muitas vezes deparei-me proposital ou acidentalmente com eleitores que apoiavam declarada e orgulhosamente o postulante à presidência José Serra. Como recomenda a cartilha dos bons costumes das sociedades democráticas, sempre procurei estabelecer um diálogo aberto e reflexivo que contribuísse, mutuamente, para a consolidação de saberes corretos ou desmistificação de mitos que, porventura, passaram despercebidos. Incrivelmente, nenhuma dessas discussões vingou. De todas, saí com a impressão de que minhas convicções tornaram-se mais convictas, bem como a de meus interlocutores, supostamente, tucanos. Por algum motivo, nunca me conformei com o ditado popular que afirma o fato de não se dever discutir religião, política e futebol. Sempre achei que, tanto o futebol como a religião não podiam ser categorizados no mesmo quadro que a política. Enquanto, tanto a escolha por uma religião, como por um time de futebol - no caso do Brasil - são, em muito, escolhas influenciadas por uma paixão transmitida de pai para filho, de grupo para sujeito, a política, bem pelo contrário, não deveria se vincular a emoções partidárias infundadas, mas a uma crítica análise contextual. Sem dúvida, em dias nos quais a mídia é a janela da realidade, os efeitos sensórios das imagens, dos discursos e do carisma tornaram-se preponderantes. Entretanto, como pode alguém defender uma posição política apaixonadamente com o mesmo furor que defende seu time na final do campeonato, porém com a mediocridade crítica de um recém nascido em seu batizado? Se concordarmos que política não deve ser discutida, concordamos que uma posição partidária não é fruto de uma reflexão racional. Nesse caso, sim, a política não deveria ser discutida por uma simples razão: por não ser mais política. Sendo assim, alguém que não discute política, deveria posicionar-se tal qual quem não discute futebol: alheio, sem prós, nem contras. Quem não discute futebol não nega um time ou o outro, mas o fenômeno futebol como um todo.
Que os jovens estão descrentes do processo democrático, é fato. E não há razões para culpá-los como os responsáveis exclusivos. O contexto político, principalmente no Brasil, favorece esse posicionamento niilista. A juventude das classes média e alta nasceu em um país com uma democracia aparentemente consolidada, com direitos constitucionais assegurados, liberdade aparente e um crescente conforto sócio-econômico. Ou seja, por mais que falhas políticas ocorram, elas parecem não serem passíveis de ser modificadas, e mesmo não sendo modificadas, “melhorismos” individuais sempre ocorrem como que por acaso: universidades federais, carros, viagens e estabilidade. Já a juventude das classes menos favorecidas o que poderia fazer se reconhecem os jovens da alta classe, mesmo providos com estudo, dignidade e conhecimento não conseguindo mudanças? Porém, a ideia da descrença está ficando para trás, os jovens não estão mais negando o processo democrático (o que seria uma posição aceitável, já que negar a democracia também se constitui em movimento político), mas eles estão tornando-se reprodutores alienados de crenças sociais aberrantes. Dentre elas destaca-se a ideologia, não mais neo-liberal, de direita, privatizante ou outra afim, mas a do que eu chamo de “antismo”. Exemplifico o antismo como sendo um movimento alienado encabeçado por jovens da classe média e alta que, reproduzindo uma emoção estereotipada adquirida e consolidada a partir da convivência, inicialmente familiar e, posteriormente, grupal de pares igualmente alienados. O que em outrora era uma discussão inteligente e válida entre projetos antagônicos: direita e esquerda. Hoje se tornou nada mais do que um fantochismo. O que antes seria discutido em termos de “Estado forte/Estado mínimo”, “terceirização de empregos/ampliação da máquina estatal”, “mercado externo/mercado interno”, “fortalecimento do terceiro setor/industrialização” e etc, nesses tempos, é restrito a “é feio/feia”, “sabe se expressar/não sabe se expressar”, “parece convincente/não parece convincente”. Ou seja, o mais importante cargo do poder executivo do Brasil poderia ser melhor escolhido por estilistas ou diretores de Hollywood, afinal imagem, aparência e emoção é o que passou a contar, projetos políticos que nada.
O máximo do absurdo foi ouvir de jovens descontraídos às custas de suas brisas e vapores etílicos relatos convictos como o de terem votado em Marina Silva e até Plínio de Arruda Sampaio no primeiro turno, mas que, no segundo, seu voto seria para Serra. Esse contexto nonsense de, em menos de 30 dias, alguém passar seu voto do centro ou da esquerda para a direita, me pareceu uma oportunidade ímpar de entendimento de uma realidade, até então, ininteligível. Porém, a constatação foi uma só: o maior dos pecados, a generalização, me apanhou. Ao conversar com aproximadamente 15 jovens que declararam votar convictamente em Serra, constatei que nenhum possuía um argumento plausível sequer. Esse episódio, para mim, marcou o nascimento do novo movimento político [político?] Antismo. Esse movimento contempla tanto aqueles que votam na direita por se colocarem manipulada e ingenuamente “anti” o PT, bem como aqueles que votam na direita sem nem ao menos pensar o porquê, nesse caso o Antismo perde a conotação de contrariedade e oposição, reformulando-se no movimento que amistosamente abarca todas as antas que andam por aí, sem senso crítico, sem percepção da realidade, sem nada que esteja além do hedonismo vazio dos rituais e ficções sociais.
Sociologicamente estaria cometendo um pecado ao inferir que minha insignificante amostra é representativa para ser generalizada a um contexto mais amplo, porém nessas eleições cansei de procurar alguém da direita, um direitista declarado que esteja fora do jogo político. Quero um cidadão, um civil de direita que possa me dizer, me explicar, me dar uma razão, uma apenas: por que votar no Serra? Suplico, apenas para que a explicação seja mais ampla do que críticas comuns a programas sociais, teoricamente, ineficientes, à suposta corrupção generalizada e, por favor, longe, bem longe do “odeio o PT”, “quem era a Dilma antes”, “Dilma é nome de vó”, “Dilma era assassina/ ladra e todos os demais derivados da boataria infantil da direita”, “Dilma é produto do Lula”, “O PT virou de direita [essa é incrível! O PT virou de direita, portanto voto no PSDB]”, “O PT se aliou a Collor, Sarney e cia”.
Esse post é um pedido de um curioso com medo de tornar-se preconceituoso. Quero um partidário da direita que me prove - e não me comova - que não são só as antas que votam no Serra.
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